Virtudes Católicas
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Caminhos Verdadeiros e Falsos para a Felicidade - XXXVI
Homens míticos da Transesfera
Na literatura em voga na segunda metade do século 20, a palavra mito percorre dois caminhos que se sobrepõem. Primeiro, há uma história maravilhosa, evidentemente mitológica, incluindo muitas lendas. Em segundo lugar, inclui uma visão transcendente das coisas, que mostra o aspecto simbólico do mito. Este segundo componente corresponde a algo verdadeiro na noção de mito, de acordo com a boa doutrina. É neste segundo sentido legítimo que a palavra mito será usada aqui.
É de conhecimento comum que cada trecho da civilização tem seus homens míticos, que simbolizam certos traços de caráter e fatos que realmente não aconteceram em suas vidas.
Em outras palavras, há uma maneira de olhar para o homem mítico que transcende o próprio homem. Corresponde a uma concepção muitas vezes realizada sobre pessoas que personificam o que simbolizam. Ou seja, simbolizam uma realidade superior que resulta de um vue de l'esprit – um produto da nossa mente. Este fato advém da necessidade que sentimos da individualização ou personificação de determinados princípios ou valores.
O homem mítico situa-se, portanto, em uma esfera transcendente, uma superesfera, a partir da qual comunica sua transcendência aos homens. Essa transcendência é o mito. Então, a ideia de mito traz consigo a ideia de uma transesfera.
Vejamos três exemplos notáveis de personagens míticos históricos.
Carlos Magno, modelo ideal de um imperador católico
Ao falar de governantes, Carlos Magno permanece presente até os nossos dias. Ele é um modelo ideal. Os reis de todos os lugares se sentiram obrigados a seguir esse modelo. O modelo ideal de rei governou mais do que os reis de carne e osso que governaram a Europa.
Talvez o que a figura de Carlos Magno tenha de grandioso – mesmo que incomparavelmente – seja a ideia sublime que ele dá de um Imperador, católico, um guerreiro, um meio-profeta. Ele sugere uma ideia tão elevada de um imperador que se pode até vislumbrar um poder imperial maior do que ele, realizado em uma ordem maior que a dele: um imperador perfeito que não é Deus, mas uma mera criatura.
Seria uma criatura possível, mas que, de fato, nunca existiu como atualmente se imagina.
Há, portanto, dois Carlos Magnos: o Carlos Magno histórico e o Carlos Magno da transesfera. Pode-se imaginar um Carlos Magno irreal, mas que, ao mesmo tempo, é mais profundo que o Carlos Magno real. E esse Carlos Magno irreal ainda age.
A lembrança dele gera consequências. A História do mundo certamente seria outra se, após sua morte física, também tivesse desaparecido o Carlos Magno da transesfera.
A lenda acabou por transformar Carlos Magno no Imperador da transesfera.
Santa Joana d'Arc, virgem e guerreira heroica
Poderíamos também chamar Santa Joana d'Arc de heroína da transesfera. Goste ou não, ela ainda pesa muito na história da França.
A combinação de duas virtudes – castidade e heroísmo – é muito bonita. O maior exemplo dessa oração que temos é Santa Joana d'Arc, a heroica virgem e guerreira nascida na Lorena. A castidade é uma virtude cheia de delicadeza, cheia de fragilidade. A coragem é uma virtude repleta de força, desejada com destemor. A união desses dois opostos forma uma verdadeira maravilha. São como duas partes de uma ponta de lança que se juntam para formar um todo harmônico muito bonito.
Santa Joana d'Arc está em um lugar onde ela é mais ou menos intocável. Se alguém quiser falar contra ela, nem toda a simpatia da mídia serve para atenuar a má impressão que aquele detrator causa. Imagine que se saiba que um homem de letras está escrevendo uma série de artigos contra Santa Joana d'Arc... Ele está acabado!
Escrever uma série de artigos contra Santo Inácio de Loyola, a quem admiro talvez mais do que Santa Joana d'Arc, não desonra tanto o indivíduo. Mas Santa Joana d'Arc, montada em seu cavalo com seu peitoral e estandarte Mon Dieu et Saint Denis – com tudo isso ela se torna intocável. Ninguém pode lançar uma lança nela sem se destruir. Estes são os desígnios de Deus que escolhe dar essas várias glórias terrenas pós-morte aos Bem-aventurados.
Dom Sebastião, capaz de ressuscitar a agonizante Idade Média
Dom Sebastião (1554-1578), Rei de Portugal, foi certamente uma figura da transesfera. Desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir no Norte de África, e pensava-se que regressaria a qualquer momento para continuar a sua missão histórica.
Este símbolo humano de Portugal é um nome que nunca pronuncio sem emoção porque tenho a impressão que todas as graças a que Portugal foi chamado recaíram sobre ele: Dom Sebastião. Em alguns aspectos Dom Sebastião parece mais um anjo do que um homem. Que personagem da História morre e deixa uma lenda como a lenda de Sebastião?
O português entendeu de forma nebulosa que não poderia acabar assim e alimentou uma esperança de algo por vir. Talvez por falta de melhor meio de expressão, cometeram o erro de dizer que era D. Sebastião quem voltaria. Mas o que eles realmente tinham era a confiança de que a obra iniciada por D. Sebastião não terminaria e um dia recomeçaria. Portugal teve a nobreza de reconhecer em Dom Sebastião o Rei dos seus sonhos.
Como todas as outras nações da Europa, Portugal já começava a ser marcado pelo Renascimento. Mas algo fundamentalmente anti-renascentista floresceu lá. Quando aquele Rei tivesse regressado de África, com a fronte a brilhar com a glória de muitas, muitas vitórias, depois de ter estendido o poder de Portugal pelo Norte de África, quando aquela Europa começasse a morrer, teria brilhado um Príncipe medieval. A honra da cavalaria moribunda teria explodido novamente; a tese de que o poder temporal existe para o serviço do poder espiritual teria brilhado novamente, e diante desse magnífico tipo humano teriam empalidecido os tipos humanos corrompidos que o Renascimento aplaudiu.
Em Alcácer-Quibir existiu um Rei Virgem, modelo de virilidade católica, modelo capaz de ressuscitar a agonizante Idade Média. Então este homem morreu de forma misteriosa.
Os portugueses sonhavam que Dom Sebastião voltasse, mas para Portugal algo incomparavelmente maior veio: Nossa Senhora veio. O Rei Virgem não veio, mas a Virgem das Virgens sim. E assim como Portugal deveria ter dado uma mensagem ao mundo na pessoa de D. Sebastião na época do Renascimento, Nossa Senhora, assumindo o território português como trono, deu ao mundo a mensagem de Fátima.
Não era uma mensagem de nostalgia, mas de advertência, uma mensagem de reprovação, uma mensagem de esperança. Uma mensagem seguida de mistério, como o mistério aqui que poderíamos chamar de mito de Dom Sebastião.
Há aqui um mistério: uma Rainha que desce do Céu, uma esperança que ultrapassa os limites de toda a esperança. Tudo isto constitui o elo entre a morte de Dom Sebastião e a aparição de Nossa Senhora em Fátima.
Continua
É de conhecimento comum que cada trecho da civilização tem seus homens míticos, que simbolizam certos traços de caráter e fatos que realmente não aconteceram em suas vidas.
Uma esfera transcendente que representa uma realidade superior
O homem mítico situa-se, portanto, em uma esfera transcendente, uma superesfera, a partir da qual comunica sua transcendência aos homens. Essa transcendência é o mito. Então, a ideia de mito traz consigo a ideia de uma transesfera.
Vejamos três exemplos notáveis de personagens míticos históricos.
Carlos Magno, modelo ideal de um imperador católico
Carlos Magno, o Imperador da transesfera
Talvez o que a figura de Carlos Magno tenha de grandioso – mesmo que incomparavelmente – seja a ideia sublime que ele dá de um Imperador, católico, um guerreiro, um meio-profeta. Ele sugere uma ideia tão elevada de um imperador que se pode até vislumbrar um poder imperial maior do que ele, realizado em uma ordem maior que a dele: um imperador perfeito que não é Deus, mas uma mera criatura.
Seria uma criatura possível, mas que, de fato, nunca existiu como atualmente se imagina.
Há, portanto, dois Carlos Magnos: o Carlos Magno histórico e o Carlos Magno da transesfera. Pode-se imaginar um Carlos Magno irreal, mas que, ao mesmo tempo, é mais profundo que o Carlos Magno real. E esse Carlos Magno irreal ainda age.
A lembrança dele gera consequências. A História do mundo certamente seria outra se, após sua morte física, também tivesse desaparecido o Carlos Magno da transesfera.
A lenda acabou por transformar Carlos Magno no Imperador da transesfera.
Santa Joana d'Arc, virgem e guerreira heroica
Poderíamos também chamar Santa Joana d'Arc de heroína da transesfera. Goste ou não, ela ainda pesa muito na história da França.
A Donzela de Orleans, um mito impossível de destruir
Santa Joana d'Arc está em um lugar onde ela é mais ou menos intocável. Se alguém quiser falar contra ela, nem toda a simpatia da mídia serve para atenuar a má impressão que aquele detrator causa. Imagine que se saiba que um homem de letras está escrevendo uma série de artigos contra Santa Joana d'Arc... Ele está acabado!
Escrever uma série de artigos contra Santo Inácio de Loyola, a quem admiro talvez mais do que Santa Joana d'Arc, não desonra tanto o indivíduo. Mas Santa Joana d'Arc, montada em seu cavalo com seu peitoral e estandarte Mon Dieu et Saint Denis – com tudo isso ela se torna intocável. Ninguém pode lançar uma lança nela sem se destruir. Estes são os desígnios de Deus que escolhe dar essas várias glórias terrenas pós-morte aos Bem-aventurados.
Dom Sebastião, capaz de ressuscitar a agonizante Idade Média
Dom Sebastião (1554-1578), Rei de Portugal, foi certamente uma figura da transesfera. Desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir no Norte de África, e pensava-se que regressaria a qualquer momento para continuar a sua missão histórica.
Dom Sebastião, o Rei Virgem que o povo não deixava morrer
O português entendeu de forma nebulosa que não poderia acabar assim e alimentou uma esperança de algo por vir. Talvez por falta de melhor meio de expressão, cometeram o erro de dizer que era D. Sebastião quem voltaria. Mas o que eles realmente tinham era a confiança de que a obra iniciada por D. Sebastião não terminaria e um dia recomeçaria. Portugal teve a nobreza de reconhecer em Dom Sebastião o Rei dos seus sonhos.
Como todas as outras nações da Europa, Portugal já começava a ser marcado pelo Renascimento. Mas algo fundamentalmente anti-renascentista floresceu lá. Quando aquele Rei tivesse regressado de África, com a fronte a brilhar com a glória de muitas, muitas vitórias, depois de ter estendido o poder de Portugal pelo Norte de África, quando aquela Europa começasse a morrer, teria brilhado um Príncipe medieval. A honra da cavalaria moribunda teria explodido novamente; a tese de que o poder temporal existe para o serviço do poder espiritual teria brilhado novamente, e diante desse magnífico tipo humano teriam empalidecido os tipos humanos corrompidos que o Renascimento aplaudiu.
Em Alcácer-Quibir existiu um Rei Virgem, modelo de virilidade católica, modelo capaz de ressuscitar a agonizante Idade Média. Então este homem morreu de forma misteriosa.
Os portugueses sonhavam que Dom Sebastião voltasse, mas para Portugal algo incomparavelmente maior veio: Nossa Senhora veio. O Rei Virgem não veio, mas a Virgem das Virgens sim. E assim como Portugal deveria ter dado uma mensagem ao mundo na pessoa de D. Sebastião na época do Renascimento, Nossa Senhora, assumindo o território português como trono, deu ao mundo a mensagem de Fátima.
Não era uma mensagem de nostalgia, mas de advertência, uma mensagem de reprovação, uma mensagem de esperança. Uma mensagem seguida de mistério, como o mistério aqui que poderíamos chamar de mito de Dom Sebastião.
Há aqui um mistério: uma Rainha que desce do Céu, uma esperança que ultrapassa os limites de toda a esperança. Tudo isto constitui o elo entre a morte de Dom Sebastião e a aparição de Nossa Senhora em Fátima.
Continua
Postado em 10 de abril de 2023
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