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Caminhos Verdadeiros e Falsos para a Felicidade - XXXV

Uma visão transcendente da realidade:
a Transesfera

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
Quando uma pessoa olha para uma determinada coisa, ela pode formar em sua mente uma ideia de como essa coisa seria se tivesse uma excelência que está dentro dos limites do imaginável. Quanto maior a inocência da pessoa, mais rica e definida seria essa ideia.

The arches of St. Denis in France

Os arcos da Basílica de St. Denis na França

Assim, olhando para um arco em cima de uma porta, pode-se ter uma visualização muito fina daquele arco, formando a ideia do que deveria ser o “arco de todos os arcos.” E, com base nessa noção do ideal modelo de um arco, ele vai julgar esse arco e decidir se gosta ou não.

Essa noção do “arco de todos os arcos” é formada através dos sentidos e de alguma forma está viva na pessoa. E isso faz com que tenha em relação a quase tudo uma fecundidade na formação de noções ideais, muito subconsciente, mas muito reais.

E à medida que a pessoa vai conhecendo esse universo, nasce a ideia de um universo ideal. Ele sabe que esse universo ideal como ele o imagina não existe, mas sente que é algo que de alguma forma deveria existir.

Corresponde a esta visão de um ideal modelo, que passaremos a analisar.

Goethe e a Catedral de Strasbourg

Este exercício da mente descrito acima não é tão incomum quanto pode parecer à primeira vista. Alguns personagens famosos até deixaram isso explícito.

Por exemplo, em suas memórias Goethe (1749-1832) descreve como, durante uma visita a Estrasburgo, costumava estudar a torre de sua catedral e encontrava algo faltando. Depois de muita análise, ele chegou à conclusão de que deveria haver quatro torres colocadas nos cantos da torre para que ela ficasse mais bonita.

strasburg Catherdral

Goethe percebeu que faltavam quatro torres na torre da Catedral de Estrasburgo

Nessa mesma estada em Estrasburgo, foi convidado para uma reunião social numa casa de campo onde o grupo pôde ver a fachada da catedral e a torre que se erguia majestosamente sobre ela.

No decorrer da conversa sobre aquela vista maravilhosa, ele comentou que a torre não podia ser totalmente apreciada porque deveria ter quatro torreões esguios para completá-la, e descreveu como as concebia.

Ao ouvir isso, um homenzinho animado virou-se para ele e disse: “Quem lhe disse isso?”

Ele respondeu que havia estudado a torre com tanta frequência e com tanta atenção e veneração que um dia a própria torre lhe confessou o que precisava para ser totalmente concluída.

Então o homenzinho respondeu: “Ela o informou corretamente! Eu sei disso muito bem, pois sou o curador do Museu da Catedral. Tenho a planta original em meus arquivos e ela confirma exatamente o que você diz. Se quiser, passe por aqui amanhã e eu vou te mostrar o plano.”

O cone do Monte Fujiyama

Vamos a outro exemplo muito bonito, que é o do Monte Fujiyama. Tem-se a impressão de que foi subindo até atingir um ponto agudo, e que então houve algum fenômeno geofísico que impediu que aquele ponto se completasse. No entanto, esse ponto é um tanto insinuado, para que você possa perceber como poderia ser. E o charme de Fujiyama está em não ter aquela ponta afiada que você apenas imagina.

mount fuji

Um pico inacabado que ninguém sabe completar

Se alguém pegasse um desenho representando Fujiyama e tentasse completar o cone esboçando-o, não seria capaz de fazer um cone perfeito que tivesse toda a beleza de Fujiyama.

Ou seja, pode-se perceber que seria possível ter aquele cone, mas não seria como nenhum dos desenhados. Há apenas uma insinuação do que deveria ser. Há algo de um saber metafísico, que é mais uma negação, que diz: “Este não é o cone, não é aquele, nem o seguinte.” Existe uma ideia de como seria o cone perfeito, mas é duvidoso que alguém consiga fazer aquele pico como deveria ser. O lado empolgante de Fujiyama, na minha opinião, está nisso.

No entanto, imagine que um artista conseguiu compor o pico perfeito de Fujiyama em uma pintura ou desenho. A montanha seria toda ela mesma porque o artista teria acrescentado o pico, mas só teria atingido sua plenitude porque esse pico foi concebido na cabeça do artista.

O artista que conseguisse completar o Fujiyama com seu próprio cume, de maneira que não perdesse nada de sua beleza, teria comunicado à montanha algo de sua genialidade de artista. E Fujiyama iria, por assim dizer, ganhar vida e ganhar alma pelo fato de ter recebido do artista um complemento que ele, Fujiyama, não tem.

A mente do homem deve residir no 'cone Fujiyama' de todas as coisas

Assim, o cone mais bonito do mundo é um cone que não existe. Existe apenas numa espécie de esfera etérea e indefinida, na qual se concentram todas as belezas de Fujiyama e de todos os cones.

É nesta zona da realidade que a mente do homem deve habitar para se aproximar de Deus. Ele deve se sentir um exilado toda vez que tiver que descer ao concreto, porque o concreto não é o ápice da realidade.

O ápice da realidade é aquela esfera etérea na qual colocamos, como possíveis existentes na Mente Divina, o cone e coisas semelhantes. Quando sua mente habita neste lugar, então é possível tratar tudo o que acontece na terra sólida como pequenas coisas vistas de uma esfera superior da realidade, que pouco a pouco vamos definindo.

Notre-Dame: as torres que ninguém ousou completar

notre Dame

No exato momento em que Nossa Senhora concebeu o Salvador em sua mente, o Arcanjo apareceu

notre dame steeple
Outro caso bem conhecido é o das torres de Notre-Dame. É um fato reconhecido que elas não foram concluídas. É tão bonito que, por um lado, pode-se pensar que não havia necessidade de colocar mais nada sobre ela. Mas o arquiteto pretendia concluí-la, apenas os planos foram perdidos.

Depois que você sabe que as torres de Notre-Dame não foram concluídas, você fica olhando e olhando para elas...

O edifício nos diz algo sobre aquelas torres que não existem, mas nada que imaginamos nos satisfaz por causa de um modelo que só existe nas sombras de nossa mente e nos entusiasma. Esse entusiasmo pelo que conhecemos apenas de forma negativa nos dá algo da centelha do absoluto.

Por mais que se tente terminar as torres de Notre-Dame – talvez um grande arquiteto pudesse fazê-lo – nenhuma solução satisfatória é alcançada. Ou seja, como negação, pode-se ter certa noção das torres que ali poderiam ser colocadas.

O que Goethe fez com as torres da Catedral de Estrasburgo, não poderia fazer com Notre-Dame, e menos ainda com o cone de Fujiyama. O que na Catedral de Notre-Dame me encanta, me subjuga e me arrebata é que ela é tão bonita do jeito que é que se diria que nada mais poderia ser acrescentado.

Bem, se de fato deveria haver mais! Portanto, esse acréscimo tem que ter uma beleza que seja o oposto, numa linha não grega, do que aquelas torres truncadas têm numa linha clássica, quase grega. Quem conseguisse fazer isso mereceria um prêmio.

O arquiteto francês Viollet-le-Duc fez algo como um pequeno ponto com a agulha atrás da catedral, que ele restaurou e fez mais alto. Ele não se atreveu, porém, a completar as torres frontais...

Mont Saint-Michel transmite uma centelha de absoluto

Onde acredito que Viollet-le-Duc acertou em cheio foi com a abadia de Mont Saint-Michel. Na minha opinião, esse foi o golpe de gênio em sua vida. Ele encontrou o “cone Fujiyama” do Monte Saint-Michel. E o mundo inteiro, indo para lá, vê a agulha que Viollet-le-Duc colocou sobre ela, muito mais do que aquela montanha de pedras.

Mont Saint Michel
Olhando para uma foto do Monte Saint-Michel, é impossível não sentir entusiasmo por aquela flecha na Abadia. Sem essa flecha, a oração perde muito. Não é o mesmo para a Catedral de Notre-Dame, onde cada parte é linda. No Monte Saint-Michel, não: é belo apenas porque Viollet-le-Duc – um grande especialista em coisas da Idade Média – soube erguer aquela torre central, com aquela flecha, que deu uma unidade maravilhosa àquela construção dispersiva e, assim, tornou-se um ponto de atração para turistas de todo o mundo.

Onde está a centelha do absoluto aí? Um observador atento percebe que todo o edifício tende para esse unum, e o edifício é belo por causa desse unum. E esse unum parece separar-se da terra e entrar nos céus acima. Para cima, para cima… terminando numa flecha tão fina que dá a impressão de se dissolver no ar e chegar a Deus.

É, portanto, algo tão belo que, por ter certa analogia com as belezas de Deus, nele se vê Deus. Essa sensação do absoluto é uma centelha do absoluto.

mount fuji


Continua

Postado em 27 de março de 2023