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Questões Tradicionalistas
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Missa de Diálogo - XLV

Natureza revolucionária da reforma litúrgica

Dra. Carol Byrne, Grã-Bretanha
Vimos algumas, mas não todas, as depredações (1) infligidas à liturgia do Domingo de Ramos, que se tornou operativa em 1956, e notamos que foram empreendidas à custa dos autênticos valores católicos, integridade doutrinária, beleza poética e apreciação das realizações passadas da Igreja.

A história demonstrou, de fato, que essas reformas não foram apenas a ponta do iceberg de uma pilhagem desenfreada do antigo rito da Semana Santa; mas também foram os primeiros passos em uma tentativa deliberada de demolir nossa herança comum e inaugurar um tipo inteiramente novo de liturgia ‒ um que não avançou a causa do catolicismo. Foi um registro doloroso de humilhação, derrota e perda para todos os Bispos, padres e leigos que protestaram junto à Santa Sé na época. Eles foram simplesmente deixados à mercê de uma raiva impotente.

Dada a evidência histórica, temos o direito de concluir que, apesar dos protestos de boas intenções dos liturgistas, as reformas envolveram ou uma indiferença pela natureza da Tradição Católica ou um desejo de erradicá-la.

Uma inovação gera outra…

É somente quando os detalhes são examinados que a natureza revolucionária das reformas se torna aparente. Agora veremos que novas ideias foram inventadas pelos progressistas para substituir o que eles conseguiram roubar da Igreja universal com a cumplicidade de Pio XII.

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Pio XII abriu a porta para os atuais comitês litúrgicos que projetam a liturgia para cada paróquia

A questão principal era a “participação ativa” do povo, como o Pe. Frederick McManus, uma figura importante na reforma, explicou assim que o novo Ordo da Semana Santa foi publicado em 1956:

“As rubricas do Ordo referem-se constantemente às respostas a serem dadas pelos membros da congregação e à sua atividade no realização da sagrada liturgia. É claro que isso é um desvio notável das normas rubricais do Missal Romano.” (2)

O que é ainda mais revolucionário é que a responsabilidade pela realização da liturgia agora cai, por diktat papal e pela primeira vez na história da Igreja, sobre os ombros dos leigos: sua “participação ativa” é “transformada em lei rubrical e incorporada ao próprio texto do novo livro litúrgico.” (3)

Quando o Missal Romano estabeleceu regras para regular como os fiéis devem responder durante a liturgia? (4) Mesmo o Pe. McManus teve que admitir que o Missal tradicional era omisso sobre a forma de participação dos leigos. Mas o Missal reformado, por outro lado, encarregou os leigos de dar as respostas e contribuir ativamente para a realização da liturgia.

Isso mostra que Pio XII impôs essas mudanças em um programa autoritário, opressor e intrusivo para agradar aos reformadores litúrgicos. Ficou-se com a impressão de que quem orasse silenciosamente nos bancos durante as cerimônias litúrgicas seria culpado de infringir uma lei estabelecida pelo Papa. (5)

O 'culto da novidade' na liturgia do Domingo de Ramos

A liturgia do Domingo de Ramos de 1956 e 1962 começa com uma reversão visual e (literalmente) chocante da prática tradicional. Para reforçar o aspecto de “festa comunitária,” coloca-se no presbitério uma mesa portátil, sobre a qual se colocam os ramos de palmeiras e o sacerdote os abençoa à vista do povo, (6) sempre de costas para o altar e o Santíssimo Sacramento.

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Palmas dispostas diante de um altar nu em uma igreja moderna do Novus Ordo

Invertendo séculos de tradição litúrgica, o Ordo do Domingo de Ramos de 1956 determinou que o padre (ou diácono) deveria conduzir um diálogo audível com as pessoas enquanto as encarava. Isso aconteceu em vários momentos: antes da bênção dos ramos; (7) antes e depois da procissão; (8) antes do Evangelho e no Orate Fratres. (9)

Ironicamente, a procissão em honra de Cristo Rei foi renovada para exaltar o papel do povo na liturgia. Eliminado o significado sobrenatural do papel do subdiácono, assim como as tradicionais vestes roxas – duplamente significativas como a cor associada à realeza e à Paixão de Cristo – o caminho estava aberto para ampliar o papel dos leigos.

Enquanto no Missal tradicional o canto da liturgia era função do sacerdote e dos cantores em alternância com o coro, no novo Ordo isso subitamente se tornou responsabilidade de todos. (10) Assim, a congregação era obrigada a cantar não apenas durante a bênção e a procissão de ramos, mas também durante toda a missa do Domingo de Ramos. (11) Isso introduziu uma novidade nas rubricas para as missas cantadas. O Graduale Romanum emitido por Pio X não incluía instruções para o canto congregacional. (12)

Uma oração inventada

Agora, vamos considerar outra inovação na liturgia do Domingo de Ramos que foi incorporada ao Missal de 1962, tendo sido introduzida pela primeira vez no Ordo de 1956: A oração após a procissão, que é dita de frente para o povo e à qual eles devem responder em voz alta. Foi o resultado de um trabalho de comitê caótico montado às pressas por Bugnini e seus associados e foi problemático por duas razões.

Primeiro, teologicamente falando, a oração era vaga e ambivalente. Mencionou ramos de palmeiras e a bênção de Deus, mas sem estabelecer qualquer ligação intrínseca entre eles, e falou de nossa redenção sendo operada pela “mão direita” de Cristo (uma frase normalmente atribuída ao Pai).

Em segundo lugar, falando linguisticamente, foi expresso em latim um tanto distorcido. A julgar por suas várias traduções, ninguém parece saber exatamente o que a oração deveria significar. Evidentemente, os compositores da oração deixaram todos na dúvida.

Os Salmos de Bea – de opcionais a obrigatórios

Um exemplo de intrusão injustificada na liturgia do Domingo de Ramos – na verdade, em todas as cerimônias da Semana Santa de 1956 – foi a imposição de uma nova versão latina dos Salmos, que havia sido realizada, em Pio XII, por uma comissão de especialistas bíblicos chefiada pelo Pe. Agostinho Bea, S.J.

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Bea levaria a reforma litúrgica ainda mais adiante sob seu amigo João XXIII

Isso substituiu a versão Vulgata de São Jerônimo dos Salmos que havia sido estabelecida como a lex orandi (lei da oração) universal e imemorial para o Rito Latino. A sua autenticidade foi garantida pelo Concílio de Trento com base no costume centenário, razão pela qual o uso litúrgico da Vulgata foi considerado sacrossanto, como podemos ver na advertência do mesmo Concílio de que “ninguém ouse, ou presuma, rejeitá-lo sob qualquer pretexto.” (13)

A princípio, era apenas opcional, (14) mas em 1956 Pio XII integrou alguns dos novos Salmos por força de lei nas cerimônias da Semana Santa, uma iniciativa nada menos que revolucionária. Essa inovação foi mais um exemplo de como Pio XII subordinou a Tradição imemorial à autoridade papal com base nas opiniões subjetivas dos reformadores, de uma maneira que seria adotada por Paulo VI em escala abrangente.

Sua reforma deu origem a dois grandes problemas.

Primeiro, a nova redação dos Salmos de Bea, extraída do vocabulário e da sintaxe do latim clássico, era diferente da linguagem “cristianizada” da Vulgata, que a Igreja havia adotado como a língua sagrada da liturgia e que o clero vinha usando para mais de 15 séculos.

Pe. Bea desprezava o latim recitado pelo clero por tantos séculos e injustamente o chamava de “uso decadente” incapaz de atender aos padrões do latim clássico. (15) Mas não havia necessidade de ter um complexo de inferioridade sobre isso.

Como vários estudiosos clássicos mostraram, o latim medieval era um descendente direto do latim literário e erudito da era clássica, não uma forma corrompida ou degradada dele. Foi esta forma elevada de latim que a Igreja elaborou e adaptou para uso nas Escrituras e na liturgia, acrescentando seu próprio estilo e dicção distintos, para expressar a mensagem cristã. E assim surgiu o único latim “cristianizado” que se encontra na Vulgata. Lá, os “lineamentos familiares” do cristianismo latino são claros, revelando a versão de Bea como um intruso.

Segundo, os Salmos de Bea eram mal adaptados ao canto gregoriano, tornando estranho cantar em comunidades religiosas e desincentivando-os a fazê-lo. (16) As palavras não eram, em geral, aquelas usadas por seus ancestrais na Fé e os novos cantos, que tiveram que ser compostos para combinar, não eram aqueles que ecoaram nos mosteiros medievais. Podemos concluir que as novas cerimônias da Semana Santa não estavam em harmonia com a antiga herança litúrgica latina e não deveriam ter lugar no Missal Romano.

Assim, podemos ver como Pio XII iniciou um processo que teve as mais graves implicações possíveis para futuras mudanças na liturgia – o distanciamento gradual do clero do culto, teologia e espiritualidade de seu patrimônio latino.

Continua

  1. Para que ninguém pense que a palavra depredação é mera hipérbole, ela foi escolhida deliberadamente por suas raízes etimológicas na língua latina que liga praeda (presa) a praedari (saquear). Mais tarde, o prefixo de (completamente) foi adicionado para intensificar o significado e indicar que um trabalho minucioso foi feito.
  2. Frederick McManus, Os Ritos da Semana Santa: Cerimônias, Preparações, Música, Comentários, New Jersey: St. Anthony Guild Press, ,1956, pp. viii-ix.
  3. Ibid. , p. ix.
  4. Era responsabilidade do celebrante, não dos leigos, “ler o preto e fazer o vermelho” conforme impresso no Missal, sob pena de penalidade. Também havia instruções detalhadas no Missal para outros ministros no santuário em seus respectivos papéis, mas nenhuma para os leigos porque eles não eram considerados como tendo um papel litúrgico a desempenhar.
    Aqui devemos ter em mente um fato histórico conhecido: sob a influência do jansenismo e do galicanismo, algumas dioceses francesas dos séculos 17 e 18 publicaram seus próprios missais independentemente da Santa Sé, nos quais os compiladores emitiam instruções para a congregação fazer certas respostas. Mas isso não prova, no entanto, que as pessoas de fato deram alguma resposta ou, em caso afirmativo, quantas em uma determinada congregação ou em que medida em toda a França. Na diocese de Meaux, por exemplo, foi publicado em 1709 um Missal no qual as respostas do povo eram designadas pelo sinal ℟ impresso em vermelho. Mas houve tal clamor geral contra ela que o Bispo, Thiard de Bissy (sucessor imediato de Bossuet), ordenou que as rubricas fossem removidas do Missal. (Ver P. Guéranger, Institutions Liturgiques, Paris, 1841, vol. 2, pp. 181-182) Ver aqui.
  5. Esta visão revolucionária foi reforçada na Instrução Geral do Missal Romano onde se afirma que os fiéis têm o dever (§ 18) de envolver-se ativamente na liturgia e não devem recusar-se a fazê-lo: “Os fiéis, além disso, devem não recusar servir o Povo de Deus com alegria sempre que for solicitado a desempenhar algum serviço ou função particular na celebração.” (§ 97).
  6. In conspectu populi.”
  7. Cantada a antífona de abertura, o celebrante, de costas para o povo, diz Dominus vobiscum, ao que todos respondem Et cum spiritu tuo. Mas no rito tradicional, o padre permanece no altar e é especificamente instruído a não se voltar para o povo (non vertens se ad populum) durante essa troca: a resposta é dada por outro ministro no santuário.
  8. Antes da procissão, o diácono, voltado para o povo, diz Procedamus in pace (Vamos em paz), e o povo responde In nomine Christi (em nome de Cristo). Isso contrasta com o Missal tradicional, que instrui apenas o Coro a cantar a resposta. Consulte a pág. 28 aqui.
    Ao final da procissão, foi inserida uma nova oração, que é dita pelo celebrante de frente para o povo, e exige deles a resposta Amen.
  9. Depois que o padre disse o Orate fratres em voz claramente audível (clara et elevata voce), o povo responde em voz alta.
  10. As rubricas do Ordo de 1956 e do Missal de 1962 indicam as partes a serem cantadas pelo coro e pelo povo. Mas a razão para isso pode ser vista no espírito de rivalidade em que se baseou. Pe. McManus explicou o pensamento por trás dessa reforma:
    “Quando um coro canta as partes da Santa Missa ou outros ritos que pertencem ao povo, os fiéis não estão fazendo o que foram designados por seu caráter batismal - ou seja, adorar a Deus como membros de Cristo. Na Semana Santa restaurada, as orientações claras indicam repetidas vezes que não se deve negar ao povo esse direito.” (F. McManus, The Rites of Holy Week, p. 32)
    Uma opção é dada para os fiéis cantarem Christus vincit ou outro hino.
  11. Isso incluiu o Kyrie; Et cum spiritu tuo e Amen na Coleta; todo o Credo; Et cum spiritu tuo no Ofertório; Amen ao Segredo; as respostas no diálogo Prefácio; todo o Sanctus; Amen após o Cânon; Sed libera nos a malo, Amen e Et cum spiritu tuo no Pater Noster e Libera; o Agnus Dei; Et cum spiritu tuo e Amen após a pós-comunhão; Et cum spiritu tuo e Deo gratias na despedida; e Amen na bênção. Ibid, pp. 36-38.
    Já em 1947 Pio XII havia encorajado esforços nesse sentido: “Devem ser louvados os que, com a intenção de fazer com que o povo cristão participe mais fácil e frutuosamente da Missa, se esforcem por familiarizá-lo com o Missal Romana, para que os fiéis, unidos ao sacerdote, rezem juntos nas próprias palavras e sentimentos da Igreja. Também devem ser elogiados aqueles que se esforçam para fazer da liturgia, mesmo externamente, um ato sagrado do qual todos os presentes podem participar. Isso pode ser feito de mais de uma maneira, quando, por exemplo, toda a congregação, de acordo com as regras da liturgia, ou responde ao sacerdote de maneira ordenada e adequada, ou canta hinos adequados às diferentes partes da Missa ou fazer ambos ou, finalmente, nas missas cantadas quando respondem às orações do ministro de Jesus Cristo e também cantam o canto litúrgico. (Mediator Dei § 105)
  12. Graduale Romanum: De Ritibus Servandis in Cantu Missae, Roma, 1908, pp. xiv-xvi. As rubricas referiam-se apenas ao canto do coro e dos cantores; não houve menção de um papel para a congregação.
  13. Concílio de Trento, sessão 4, 8 de abril de 1546, Decreto sobre a edição e o uso dos livros sagrados.
  14. Em seu Motu proprio Cotidianis precibus de 24 de março de 1945, Pio XII concedeu permissão para o uso dos Saltérios de Bea aos sacerdotes e a todos os que eram obrigados a dizer o Ofício Divino. E dois anos depois ele estendeu essa permissão para qualquer uso litúrgico. Ver De usu novi Psalterii latini extra horas canonicas (O uso do novo Saltério latino além das Horas Canônicas), 22 de outubro de 1947, Acta Apostolicae Sedis, 39 (1947), p. 508.
  15. Bea fez esse julgamento “chauvinista” na Introdução à primeira edição de seu Novo Saltério. Ver o Liber Psalmorum publicado pelo Pontifício Instituto de Estudos Bíblicos, Roma, 1945, p. xxvi. Mas era simplesmente um preconceito comum entre aqueles que confundem a Vulgata latina com o latim vulgar (língua outrora usada pelos soldados, colonos e fazendeiros romanos). A erudita clássica, Christine Mohrmann, explicou: “O latim litúrgico não é o latim clássico, mas também não é, como tantas vezes se diz, o latim considerado decadente pelas pessoas instruídas.” Latim litúrgico: sua origem e caráter, CUA Press, 1957, p. 60.
    Mesmo na época de Bea, o preconceito contra o latim eclesiástico como infima latinitas (a forma mais baixa de latinidade) já estava ultrapassada, o que mostra que ele próprio estava atrasado e não queria reconhecer com orgulho a contribuição única da Vulgata na transmissão da Fé na Igreja e na cultura ocidental.
  16. Na avaliação dos músicos da Igreja, os novos cânticos não são melodiosos. Mesmo quando recitadas, as palavras não saem exatamente da língua, como no Saltério tradicional. Isso porque os autores do novo Saltério tentaram forçar o ritmo natural da versão da Vulgata para coincidir com o ritmo da poesia latina clássica e suas leis de métrica “quantitativa.” Sem surpresa, o Bea Saltério não foi um sucesso; a maioria das comunidades religiosas se recusou a aceitá-lo. Um dos poucos que o aceitaram foi o mosteiro beneditino de En Calcat, na França. Foi lá, aliás, que Dom Lambert Beauduin passou alguns anos de seu banimento por Pio XI por suas atividades “ecumênicas” e sua oposição a qualquer forma de proselitismo.


Postado em 12 de abril de 2023

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