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Missa de Diálogo - XXXVII

'Simplificação' Progressista da Missa
Inspirada por Lutero

Dra. Carol Byrne, Grã-Bretanha
Quando estudamos a história do Movimento Litúrgico, fortemente influenciado pelo Pe. Josef Jungmann, devemos nos maravilhar com a facilidade com que os progressistas do século 20 foram levados a acreditar em quase tudo que refletia mal na Igreja medieval. Seu companheiro jesuíta, Pe. (em breve será o Cardeal) Avery Dulles resumiu em poucas palavras o cerne do tratamento circunlocutório de Jungmann aos católicos medievais:

“Na Idade Média o culto aos santos tornou-se exuberante a ponto de cair em excessos (superstição). Um clero venal, em combinação com uma população crédula e em grande parte analfabeta, forneceu um terreno fértil para lendas fantasiosas sobre aparições, mensagens celestiais e curas milagrosas... As chamas do Inferno e do Purgatório foram vividamente imaginadas. Indulgências, romarias, relíquias e Missas Votivas tornaram-se objetos de um próspero negócio.” (1)

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O Progressista Card. Avery Dulles assume a posição de Lutero e rotula o ensino católico de 'lendas'

Nenhum propagandista protestante do século 16 poderia ter colocado isso de forma mais venenosa ou injusta; e como a história da “Reforma” foi em grande parte escrita por protestantes, a ideia que permanece até hoje é que os fiéis católicos foram intimidados por seu dinheiro por um clero cuja principal motivação era o acúmulo de riqueza. Foi fácil para Jungmann capitalizar essas caricaturas polêmicas – afinal, ele também estava fortemente motivado a rejeitar o pensamento e as realizações da Idade Média.

Tendo rebaixado o valor da Elevação para a diversão dos reformadores litúrgicos modernos (aqui e aqui), Jungmann voltou sua atenção para outro pilar da liturgia católica, a venerável tradição das missas votivas. (2) Estas eram mais comumente ditas a pedido dos fiéis para suas próprias intenções especiais (principalmente para as almas dos entes queridos falecidos) (3) e eram muitas vezes acompanhadas do pagamento voluntário de uma bolsa ao sacerdote como doação para a Igreja.

Jungmann e Lutero caluniam os fiéis medievais

A Missa Votiva medieval foi denunciada tanto pelos protestantes do século 16 como pelos liturgicistas do século 20, curiosamente pelas mesmas razões espúrias: superstição, ignorância e ganância clerical. De acordo com essa visão, o clero espoliava os leigos crédulos, enchendo suas cabeças com ideias supersticiosas sobre os efeitos da missa, que chegariam a eles em troca da quantia necessária de dinheiro. Jungmann afirmou:

“As queixas levantadas pelos reformadores, especialmente por Lutero, foram dirigidas com precisão e implacavelmente contra pontos questionáveis na práxis eclesiástica em relação à Missa; os frutos da Missa, as Missas Votivas com seus vários valores, o comércio de estipêndios.” (4)

Embora ninguém negue que abusos existem em todas as épocas da história da Igreja e que havia na Idade Média clérigos que não cumpriram seu chamado e leigos de ortodoxia questionável, Jungmann não tinha justificativa para aceitar as críticas de Lutero ao pé da letra. Pois tais opiniões constituíam um aspecto significativo da queixa anticlerical no século 16 e eram alimentadas não tanto por evidências factuais, mas pela oposição protestante à doutrina e liturgia católicas.

Os frutos da Missa

A doutrina de que a Missa produz “frutos” – que traz benefícios espirituais e temporais para os fiéis presentes e aqueles por quem rezam – foi rejeitada pelos hereges protestantes como uma fábula supersticiosa. Era sua maneira de atacar o papel da Igreja na dispensação da graça. Em vez de defender o valor impetratório da Missa com base no fato de que é Cristo quem age nela e é infalivelmente ouvido pelo Pai, Jungmann juntou-se aos protestantes para ridicularizá-la.

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Jungmann ridiculariza o valor eficaz da Missa

Toda uma seção de sua história da Missa é dedicada a uma série de caricaturas medievais na forma de sátira anedótica, ou seja, “histórias engraçadas” destinadas a provocar algumas risadas às custas da piedade católica tradicional. (5) Assim, de acordo com Jungmann, acreditava-se popularmente que “durante o tempo em que se ouve a Missa, não se envelhece… depois de ouvir a Missa, a comida fica mais saborosa,” etc. (6)

BMas ele não fez nenhuma tentativa de colocar nada disso em seu contexto apropriado, ignorando a tradição secular de piedade católica, que está na Igreja desde o tempo dos primeiros Padres, mas que foi abandonada pelo Movimento Litúrgico. Por exemplo, a menção de não envelhecer foi explicada por São Leonardo de Porto Maurício como referência a uma espécie de juventude espiritual experimentada por quem ouve a Missa com devoção. (7)

Em suma, Jungmann não compreendia a lógica interna e a coerência intelectual do catolicismo medieval.

E reclamou que o sistema de Missa Votiva, com ênfase em dias estipulados, número de velas e estipêndios pré-estabelecidos, se prestava à exploração pelos católicos como uma espécie de fórmula mágica:

“O que era realmente questionável nessa prática de séries de Missas e Missas Votivas era a garantia – recorrente e repetida – de resultados infalíveis.” (8)

De acordo com Jungmann, essas ideias “foram capazes de florescer sem impedimentos na literatura homilética e devocional da época” (9) e foram acreditadas pelas pessoas porque “coincidiram com sua própria mania de milagres.” (10)

Mas não há evidências para provar que a superstição era um elemento definidor no corpus da crença e prática medievais, ou que os fiéis estavam tentando manipular Deus para garantir-lhes favores instantâneos. O que fica evidente, no entanto, nas observações de Jungmann é que os progressistas dão pouca atenção aos milagres e olham com olhos incompreensíveis para a fé de nossos ancestrais medievais.

Jungmann descartou a Missa Votiva com desprezo como produto de uma mentalidade pré-científica adequada apenas para pessoas que vivem na “Idade das Trevas”: (11)

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Uma xilogravura protestante zombando da venda de indulgências

“O baixo estado da medicina e da higiene e, em geral, o pequeno conhecimento dos remédios naturais, bem como a incerteza generalizada dos direitos legais nos primeiros estados medievais, explicam em certa medida o grande número de petições externas nessas Missas Votivas e o forte apelo que tinham para o povo.” (12)

Este é simplesmente um exemplo de pensamento reducionista; uma compreensão mais completa dos fiéis medievais revelaria que seus motivos para solicitar Missas Votivas eram principalmente espirituais e devocionais, mesmo em tempos de crise e epidemia como a Peste Negra.

Não é difícil ver por que essas Missas foram rejeitadas pelos protestantes que não acreditavam que a Missa é a forma suprema de culto cristão, infinitamente agradável a Deus, ou que os méritos do Santo Sacrifício poderiam ser aplicados aos vivos e aos mortos.

O que é difícil de entender é que, como padre católico, Jungmann deveria ter adotado os dois grandes temas da animosidade dos protestantes em relação à Missa Votiva medieval: a suposta ganância do clero por ganhos financeiros (o chamado “tráfico de estipêndios” ) e superstição dos fiéis (sua suposta crença nos efeitos “mágicos” da Missa).

Lutero inspirou a 'simplificação' progressista

Chegou mesmo a afirmar que o status quo na Igreja medieval – como pintada pelos protestantes – fez com que nações inteiras se revoltassem contra a Missa, assim efetivamente vindicando Lutero e os outros heresiarcas que o apoiaram:

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Uma caricatura viciosa do Diabo coletando indulgências

“Em geral, o mal [a Missa] continuou a florescer… tornou-se objeto de escárnio e zomaria e foi repudiada como uma idolatria horrível por povos inteiros… A referência ao interesse próprio e à superstição impressionou. E considerando o baixo estado da formação religiosa, essa crítica adversa ameaçava destruir na mente das pessoas não apenas o excesso de folhagem, mas o próprio ramo e raiz. A Missa foi desconsiderada, desprezada.” (13)

Mas a culpa disso, na avaliação de Jungmann, não deveria ser atribuída a Lutero, mas à liturgia medieval, especialmente a Elevação, Cânon silencioso, uso do latim, ênfase no sacerdócio e sacrifício, “não-participação” dos leigos etc.:

“Não foi difícil para Lutero desferir um golpe destrutivo contra tal sistema. Pelo menos no início, ele e as outras influências reformadoras já atuantes na Igreja foram indubitavelmente movidos por uma genuína preocupação religiosa. Lutero exigiu um retorno a um cristianismo mais simples.” (14) [ênfase adicionada]

Estas palavras são esclarecedoras. Eles nos mostram que a tão alardeada “simplificação” da liturgia, iniciada pelo Papa Pio XII e progressivamente imposta à Igreja, foi muito desejada não apenas por Lutero, mas por Jungmann e outros liturgistas influentes como meio de varrer tudo o que era distintamente Católico na Missa Tradicional.

Continua

  1. J. Jungmann, A Missa do Rito Romano, vol. 1, p. 132
  2. As Missas Votivas existem desde os primeiros séculos da Igreja, e exemplos delas estão contidos nas fontes mais antigas do Rito Romano, ou seja, no Sacramentário Leonino (século IV) e também no Sacramentário Gelasiano, que possui um grande acervo deles. (Cf. Adrian Fortescue, The Mass: a Study of the Roman Liturgy, Longmans, Green, 1922, p. 120.) As intenções para essas Missas refletiam a grande variedade de necessidades humanas para as quais os fiéis buscavam assistência divina, e tinham um caráter privado e público: para aumentar a caridade, uma viagem segura, em ação de graças por um casamento, aniversário ou aniversário de ordenação, para ajudar em várias aflições, como doença ou injustiça, para proteção contra peste, seca ou guerra etc.
  3. Outro uso da Missa Votiva é para celebrar um dos mistérios de Deus, como a Santíssima Trindade, ou em honra de Nossa Senhora e dos Santos.
  4. Avery Dulles, The New World of Faith, Huntington, IN.: Our Sunday Visitor Publishing, 2000, p. 71.
  5. Vale ressaltar que a sátira da Missa Votiva era um gênero bem estabelecido nos tempos da Pseudo-Reforma, abrindo um precedente para as paródias de Jungmann. Um excelente exemplo é uma obra do teólogo e pregador protestante alemão do século XVI, Naogeorgius (o nom de plume de Thomas Kirchmayer). Sua esquete satírica sobre a Missa Votiva foi originalmente escrita em versos latinos doggerel e intitulada Regnum Papisticum antes de ser traduzida pelo poeta inglês Barnaby Googe e publicada em 1570 sob o título The Popish Kingdom, ou Reign of Antichrist. Curiosamente, isso pode ser lido na Introdução ao Novo Missal Romano do Pe. F.X. Lasance’s (edição de 1945) e é aqui apresentado com um toque irônico. Como o Pe. Lasance apontou que, embora o poema se propusesse a ridicularizar a fé e a prática católicas, involuntariamente demonstrou o quão importante a missa era para os católicos medievais, cobrindo todos os aspectos de suas vidas neste mundo e no próximo.
  6. J. Jungmann, A Missa do Rito Romano, vol. 1, p. 129.
  7. “Ninguém envelhece no pecado.” Veja The Hidden Treasure: or the Immense Excellence of the Holy Sacrifice of the Mass, Dublin, James Duffy, 1861, p. 33. Esta ideia é reforçada no início da Missa, quando o sacerdote declara a sua intenção de aproximar-se do altar de Deus “qui laetificat juventutem meam.” Como o ponto era considerado pelos liturgistas modernos como sem valor, foi eliminado junto com todas as Orações ao Pé do Altar.
  8. J. Jungmann, A Missa do Rito Romano, vol. 1, p. 130. Mas ele omitiu a ressalva essencial – conhecida de todos os católicos medievais – de que o resultado de nossas orações está inteiramente sujeito à vontade e ao julgamento de Deus. São Leonardo, citando São Jerônimo, explicou com certeza que “o Senhor concede todos os favores que Lhe pedimos na Missa, desde que nos sejam convenientes.” (Ibid., p. 31)
  9. Ibid., p. 129
  10. Ibid., p. 130. Aqui Jungmann confundiu milagres com superstição. Ele deixou de apontar que os fiéis medievais estavam certos em acreditar nos efeitos milagrosos da Missa. Um exemplo foi dado por Santo Agostinho, que relatou a cura de um de seus vizinhos como resultado de uma Missa votiva: “Hesperius, de uma família tribuniana e vizinha nossa, tem uma fazenda chamada Zubedi no distrito de Fussalian; e, descobrindo que sua família, seu gado e seus servos sofriam da malícia dos espíritos malignos, pediu aos nossos presbíteros, durante minha ausência, que um deles fosse com ele e banisse os espíritos com suas orações. Um foi, ofereceu ali o sacrifício do Corpo de Cristo, orando com todas as suas forças para que aquela vexação cessasse. Cessou imediatamente, pela misericórdia de Deus.” Santo Agostinho, A Cidade de Deus, livro 22, capítulo 8 'Dos milagres que foram operados para que o mundo cresse em Cristo, e que não cessaram desde que o mundo creu.'
  11. O termo “Idade das Trevas” foi cunhado pelo estudioso do Renascimento italiano Petrarca (1304-1374). Do ponto de vista moderno, a Idade Média é descrita como “sombria” por causa de uma suposta falta de progresso científico.
  12. J. Jungmann, A Missa do Rito Romano, vol. 1, p. 220.
  13. Ibid., vol. 1, p. 132.
  14. J. Jungmann, J., ‘Liturgia na véspera da Reforma,’ Worship, 33, 1959, pp. 514


Postado em 23 de novembro de 2022

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