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Personificação dos Princípios - III

O papel da imitação
na busca do prazer legítimo

Plinio Corrêa de Oliveira
Quanto à questão da imitação (aqui e aqui), vimos que na Idade Média a imitação era considerada tão justa e legítima que se institucionalizou. A classe social destinada a servir de modelo para outras classes imitarem era a nobreza, e esta era uma de suas maiores responsabilidades.

Tomemos, por exemplo, a questão de como desfrutar de um entretenimento legítimo.

A Igreja Católica nos dá algumas noções gerais sobre recreação. Por um lado, a distração deve estar de acordo com a lei de Deus; não deve transgredir a moral; pelo contrário, deve desenvolver a virtude tanto quanto possível. Por outro lado, a recreação deve oferecer verdadeiro prazer. Normalmente falando, uma diversão não deve exigir muito esforço, ou acaba não dando prazer.

Como uma pessoa aprende a se envolver na recreação com esses princípios? É difícil.

Se alguém me dissesse: “Acho a vida muito chata e não sei me distrair.” Eu responderia: “Encontre uma diversão honesta e seu problema diminuirá.”

Então, ele ainda perguntasse: “Mas o que seria isso? E o que é uma diversão honesta?” Eu poderia tentar ajudá-lo dizendo: “Bem, uma diversão é o oposto de ansiedade. Se se quer divertir, encontre o que lhe relaxa e se envolva nisso.”

Vemos que isso não ajuda muito a ensinar alguém a buscar uma recreação honesta. Na verdade, isso não é algo que pode ser ensinado apenas por princípios.

Chasse a courre, France

Acima, caça à raposa na França; abaixo, troféus no Kaiser Ville, em Bad Ischl, Áustria

Kaiser VIlle, Bad Ischl, Austria
Em vez disso, se observarmos a maneira como a nobreza católica se dedicava à recreação, será muito mais fácil de entender. Assim, por exemplo, os nobres adoravam caçar. A caça à raposa, ao veado e ao javali começou como uma necessidade, para libertar as terras dos nobres desses animais, que estavam destruindo plantações e aves. Depois de limpar suas terras, porém, eles perceberam que caçar aqueles animais proporcionava também um prazer viril.

Assim, continuaram a caçar, não mais por necessidade, mas exclusivamente por entretenimento. Era uma diversão bastante apropriada, que em tempos de paz mantinha sua agilidade e destreza a cavalo, assim como precisão no tiro. Esses exercícios foram muito úteis para mantê-los preparados para a guerra. Foi assim que a caça, montada ou não, se tornou uma das formas características de recreação da nobreza. Os nobres elaboraram todo um cerimonial que acompanhava a caça; uma maneira de se reunir antes da caçada, refrescar-se durante ela e comemorar suas conquistas depois. Isso se tornou uma forma típica de lazer ou recreação para eles.

As classes mais modestas, vendo o prazer dos nobres, imitavam a recreação na proporção de seus meios. Então, em vez de perseguir a raposa e o veado a cavalo, eles caçavam a pé. Em vez de ter 50 cães, eles tinham um ou dois, bem treinados. Em vez de ter pavillons de chasse no meio da mata, para se refrescar durante a caçada, levavam sanduíches substanciais e bebidas fortes, que serviam para revigorá-los no frio e na umidade da mata.

Em vez do caro procedimento de montar troféus, com cervos e faisões, para pendurar nas paredes de castelos, eles simplesmente voltavam para casa com suas capturas, e as entregavam às esposas para prepará-las para ser comidas. Aquilo tornou-se também, paralelamente, a origem de deliciosas novas receitas, as melhores das quais foram transmitidas de geração em geração, permitindo que todos usufruíssem delas.

Outro subproduto da imitação: os meninos que não tinham idade suficiente para caçar com seus pais, vendo sua diversão, queriam brinquedos semelhantes a rifles e espingardas, para parecerem caçadores. Assim, nasceu uma equipagem de brinquedos e apetrechos lúdicos para divertir e entreter as crianças, dando-lhes, por sua vez, grande prazer.

Vemos, portanto, sem necessidade de muitas explicações doutrinárias, como muitas pessoas da sociedade - tanto nobres quanto plebeus de todas as idades - souberam divertir-se honestamente, seguindo o bom exemplo dos nobres.

A imitação deu a inúmeras pessoas de várias classes sociais um prazer que não teriam tido, se não tivessem imitado os nobres.

Ademais, esse papel legítimo da imitação funciona com eficiência não só para quem não é nobre, mas também para quem admira suas vidas. Funciona de maneira semelhante entre a nobreza.

Como ocorre a imitação entre a nobreza?

Deus, que fez alguns homens mais inteligentes do que outros, também fez alguns homens mais emblemáticos do que outros: isto é, alguns representam melhor um princípio particular do que outros. Acontece às vezes que pessoas muito inteligentes não são as mais emblemáticas. Eu defino uma pessoa emblemática, não como aquela que está sempre tentando “roubar a cena” e ser o centro das atenções, mas aquela que tem o dom de encarnar princípios e dar-lhes vida.

Kaiser Wilhelm II

Acima, Kaiser Guilherme II; abaixo, General Paul von Hindenburg

General Paul von Hindenburg
Tomemos dois exemplos de alemães na Primeira Guerra Mundial: o General Hindenburg e o Kaiser Guilherme II. Hindenburg era indiscutivelmente um homem muito inteligente e um grande general; no entanto, ele tinha um rosto muito vulgar, sem representação. O Kaiser, pelo contrário, não era um grande general, mas sabia perfeitamente personificar o militarismo alemão. Ele representou o militarismo a tal ponto, que podemos dizer que ele encarnou o militarismo alemão. Ele irradiava o militarismo e o difundiu por onde passava.

Deus criou algumas pessoas com essa capacidade de personificar e irradiar qualidades e ideias. Estou convencido de que a tradição – uma formação que começa séculos antes da pessoa nascer – acaba por originar pessoas assim, altamente representativas, às quais algumas idéias se associam.

Às vezes, uma dessas pessoas pode, sem saber, representar princípios. Em um de seus livros, Proust escreve sobre um amigo, o Conde de Gramont, que era um jovem que serviu com ele no exército francês e tinha ideias socialistas. O conde estava no quartel, comendo e conversando com Proust, e cortava um bife com perfeição superior. Ao levar elegantemente um pedaço à boca, comentou: “Então, meu caro amigo, você não acredita que somos todos iguais...” Ou seja, no exato momento em que expunha uma ideia socialista, representava exatamente o oposto.

Tenho observado que uma longa tradição dá essa capacidade de representar princípios, mesmo quando a pessoa pensa o contrário do que representa.

Como Deus fez alguns homens mais emblemáticos que outros, entre as elites alguns são mais capazes de representar princípios com maior luminosidade, e transformá-los em estilos de vida. Esses homens carregam uma grande irradiação e influência, e devem ser imitados por seus próprios pares.

Portanto, se alguém quiser saber como esses princípios se aplicam na vida, deve imitá-los. Quem se recusa a imitá-los é tão estúpido como quem sustenta: “Odeio esta luz porque não vem de mim.” Acontece muitas vezes que preciso da luz dos outros para me guiar em muitas coisas.

Continua

Postado em 14 de março de 2022

Tradition in Action

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Prof. Plinio
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.

Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.



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