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Sociedade Orgânica

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Vantagens da propriedade cumulativa

Plinio Corrêa de Oliveira

A distinção entre propriedade individual e coletiva tem um ponto fundamental que é frequentemente apresentado de maneira desequilibrada, levando as pessoas que lidam com a propriedade na Idade Média a se oporem de uma maneira exagerada. Eles apresentam os dois como se fossem cães furiosos, prontos para atacar e destruir um ao outro. Para evitar isso, eles afirmam, os cães devem ser presos com fortes correntes para evitar uma catástrofe social.

Deixe-me tentar resolver esta apresentação desequilibrada analisando o que realmente aconteceu na Idade Média em relação a essa dicotomia entre propriedade individual e social.

O homem foi criado para existir na sociedade, e a sociedade é formada para o benefício dos homens. Tudo bem ordenado na sociedade vem de uma boa ordem anterior dentro do homem. Não existe uma boa ordem social, a menos que tenhamos homens cujas almas são bem ordenadas. Quando as almas são bem ordenadas, um tipo diversificado, fecundo e amável de relações sociais surge espontaneamente entre os homens, sem planejamento prévio.

Quando alguém aproxima uma flor do nariz, ele sente a sua fragrância; quando alguém se aproxima de uma sociedade na qual todos são católicos, na qual o mal e o pecado são rejeitados, ele percebe sua ordem e sente o perfume de sua harmonia. Assim foi na Idade Média.

Harmonia entre propriedade individual e coletiva

Roman Lanlord

Um proprietário romano caçando na Sicília
O que realmente aconteceu na Idade Média em relação à propriedade privada? Embora sejamos adeptos da propriedade privada, somos obrigados a reconhecer que havia uma tendência então à propriedade coletiva.

O homem típico sob a Lei Romana era o proprietário exclusivo de sua terra - mesmo que fosse um pedaço pequeno como um tapete. A propriedade foi concebida como uma espécie de paralelogramo de dois lados que se estendia da superfície de sua terra até o centro da terra e também para cima, até alcançar o céu. Tudo dentro desse espaço lhe pertencia exclusivamente e, portanto, seu direito sobre a propriedade era absoluto. Essa era a ideia de propriedade de terra, de propriedade privada, de acordo com o Direito Romano. Essa também foi a ideia de propriedade privada que prevaleceu no século 19 no regime burguês que veio da Revolução Francesa.

Mas essa não era a ideia medieval de propriedade. Naquela época, havia uma noção de propriedade que era cumulativa, isto é, pertencia a várias pessoas ao mesmo tempo. Esse tipo de propriedade se aplicava não apenas à terra, mas também a funções, encargos, deveres e escritórios; tudo foi cumulativo. Com essa adição harmônica de deveres e responsabilidades, o caráter social da propriedade foi cumprido.

Autoridades cumulativas na Igreja

Para entender a propriedade cumulativa de cargos e funções, podemos examinar o papel da hierarquia na Igreja Católica. O Papa é o senhor de toda a Igreja - ele é o rei, o mestre da doutrina e o inspirador da santificação. Consequentemente, ele tem jurisdição direta sobre todos e cada um dos fiéis.

O Papa tem uma jurisdição sobre os fiéis que não é apenas indireta - através dos bispos -, mas também plena e direta. Ele pode condenar os erros de um livro escrito por um indivíduo na menor diocese do Brasil ou na maior arquidiocese do Japão. Ele ensina a Igreja inteira; ele nomeia bispos para o mundo inteiro. Assim, ele tem pleno poder sobre toda a Igreja.

Depois de afirmar isso categoricamente, precisamos considerar algumas nuances. Em assuntos locais que não dizem respeito aos interesses gerais da Igreja ou à preservação da Fé e da Moral, o Papa não deve intervir. Se ele intervém, ele faz uma espécie de usurpação de poder, já que os assuntos locais devem ser tratados pelo bispo. O bispo é aquele com a autoridade local, aquele que conhece os problemas locais e os resolve da maneira que julga adequada.

Pope Gregory XIII

Papa Gregório XIII com Cardeais e Bispos
Se um bispo pensa que sua catedral deve ser construída em certa parte da cidade, mas o Papa opina o contrário, o bispo tem a última palavra. O Papa pode dar uma sugestão, mas a decisão final pertence ao bispo. Se o Papa interviesse regularmente nesses assuntos locais, anularia o papel do episcopado na Igreja. Ele seria uma espécie de usurpador do poder menor.

Assim, o poder do Papa é cumulativo; parte dele pertence ao mesmo tempo aos Bispos. É um poder exercido sobre os mesmos homens, mas em áreas diferentes.

Vemos algo semelhante com o pároco e o bispo. Em certas áreas, o pároco tem autoridade autônoma e o bispo não intervém. É o mesmo mecanismo complexo de autoridades cumulativas.

Essas autoridades não são meramente individuais. Por serem exercidos cumulativamente, adquirem um aspecto social que equilibra suas características individuais. Essa análise nos permite ver o equilíbrio supremo da Igreja Católica, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo e inspirada e mantida pelo Espírito Santo.

A enfiteuse nos países da América Latina

No Brasil, existe uma forma de propriedade chamada enfiteuse que vem da época em que éramos uma colônia de Portugal. Também existe em países que eram colônias da Espanha. Enfiteuse - arrendamento em latim - é um tipo de propriedade em que o proprietário concede a alguém quase todos os direitos de propriedade, mas mantém para si alguns poucos direitos. Portanto, ele pode manter o direito de receber um pagamento anual modesto ou o direito de proibir certas coisas.

Por exemplo, uma pessoa que concedeu terras a outra pessoa poderia proibir a construção de casas imorais de entretenimento e templos heréticos. Se o beneficiário não cumprisse essas cláusulas, ele perderia a terra e ela retornaria ao primeiro proprietário.

Além disso, se o beneficiário morre sem herdeiros, a terra reverte para o primeiro proprietário. Esse tipo de contrato é remanescente da Idade Média. Ainda é um contrato medieval, um contrato feudal. Os contratos que ligavam o camponês ao senhor e os nobres ao Rei eram desse gênero.

A relação entre um conde ou duque e um Rei era semelhante à que existe hoje entre um bispo e um papa. Também foi semelhante ao contrato de enfiteuse. O conde foi o beneficiário e o rei quem concedeu a terra, mas este último conservou alguns direitos. Ele não concedeu todos os direitos da propriedade. Qual foi a vantagem deste sistema? Podemos ver isso em um exemplo.

Petrópolis e Teresópolis

Emperor Pedro II Brazil

O progresso que o Imperador Pedro II promoveu no Brasil foi baseado em propriedades cumulativas
No Brasil, o Imperador Pedro II e sua esposa, a Imperatriz Teresa Cristina, eram o Senhor e a Senhora de uma enorme quantidade de terras altas na Serra do Mar, a oeste da cidade do Rio de Janeiro. Na época, a população do Brasil era muito pequena, então eles decidiram convidar colonos alemães para trabalhar nessas terras.

Os colonos chegaram e assinaram contratos de enfiteuse, o que os tornou proprietários quase plenos dessas terras, mas não com todos os direitos. Os monarcas dividiram essas terras em pequenas fazendas e as deram aos colonos, mas conservaram o direito de receber uma pequena quantia em dinheiro, de ter a preferência de comprar a terra caso um beneficiário quisesse vendê-la e de proibir a instalação de casas imorais nessas áreas.

O resultado foi uma boa soma de dinheiro para manter a Família Real - já que os monarcas receberiam um grande número de pagamentos modestos de muitas fazendas pequenas - e uma grande vantagem para os colonos, que na verdade se tornaram os donos quase plenos daquelas muito boas terras. A área floresceu com um progresso extraordinário e duas cidades foram nomeadas - Petrópolis e Teresópolis - em homenagem aos dois monarcas. E todos se beneficiaram do sistema.

Contratos dos camponeses e plebeus com o senhor feudal

Na Idade Média, esse tipo de contrato foi firmado entre os senhores feudais e o Rei, e também entre os camponeses e os senhores feudais. Mas havia outra faceta também. Além de pequenos pagamentos ao senhor, o vassalo fazia um ato de lealdade a cada ano a seu superior, que era um ato simbólico de vassalagem.

 Renaissance peasants & bourgeois
Burgueses e camponeses tinham contratos como dos nobres
Lembro-me de um convento na Alemanha que era beneficiário de um contrato feudal desse tipo e, como cláusulas desse contrato, todos os anos na Páscoa, no Natal e em outra festa - não me lembro qual - um bolo grande feito de uma certa receita especificada pela qual o Convento era conhecido precisava ser enviada ao Senhor. Também foi estipulado que o convento tinha que enviar a seu senhor - não sei o motivo específico disso - três peixes apanhados no rio que corria em suas terras e três rosas de seu jardim.

Todos os anos, o convento enviava um grupo de camponeses vestidos com suas roupas regionais ao castelo do senhor, para trazer a ele essas homenagens das freiras. Como as freiras não podiam deixar o convento por razões religiosas, enviaram os camponeses como seus representantes. Foi uma submissão simbólica que reafirmou o caráter hierárquico desse relacionamento.

Este é um exemplo de feudalismo e propriedade cumulativa. Obviamente, os pré-requisitos da propriedade cumulativa eram honestidade, estima mútua e o espírito católico.

Este é o sistema que governou a Europa até a Revolução Francesa.

O contrato do senhor feudal com o rei

O senhor feudal tinha mais responsabilidades em relação ao rei do que o plebeu em relação a seu senhor. Se o rei enfrentar alguma ameaça ou perigo, o senhor feudal tinha a obrigação de ajudá-lo com seus cavaleiros pessoais, bem como certo número de camponeses e plebeus, dependendo dos termos do contrato.

Duke of Bayern

O Imperador dando direitos feudais ao Duque de Bayern
Suponhamos que um barão tenha concordado em enviar cinco cavaleiros armados e 25 competentes camponeses e plebeus de infantaria, que nos contratos eram chamados simplesmente de “25 lanças.” O senhor feudal foi obrigado a trazer esses homens em auxílio do rei, bem como armar e alimentá-los durante todo o tempo em que o rei estivesse em perigo.

Ele também foi obrigado a dar conselhos ao rei quando necessário, o que significava que ele tinha que viajar para o castelo do rei e permanecer ali durante o período em que todos os nobres se encontravam.

Aqui, novamente, vemos a aplicação dos termos de propriedade cumulativa. O senhor feudal não possuía toda a propriedade de suas terras; antes, essas terras foram concedidas a ele e sua família por seu superior, o rei, com certas estipulações.

Hoje é difícil entender esse sistema devido à longa distância entre nós e a ordem social que o criou. Mas tenho a tendência de pensar que a propriedade cumulativa é a forma perfeita de relacionamento entre a propriedade individual e a social, embora eu admita que diferentes formas harmônicas possam surgir no futuro.

Isso é o que o feudalismo realmente era, com o bem que produzia, que era bem diferente das mentiras e difamações revolucionárias.

Postado em 25 de maio de 2020


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Prof. Plinio
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.

Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.

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