Sociedade Orgânica

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O papel da economia no colapso
da mentalidade medieval


Plinio Corrêa de Oliveira

Comparando as mentalidades medieval e renascentista, vemos que a última abandonou os ideais de sacrifício e luta como as notas predominantes na vida. O modelo clássico do Humanismo não é mais o herói guerreiro. O homem da Renascença não rejeitou completamente o grande guerreiro como modelo, mas o colocou ao lado do grande filósofo, do grande artista, do grande orador etc. Esses novos modelos humanos foram considerados iguais ao guerreiro ou mesmo superiores a ele.

Crusaders

O Cruzado, lutando e morrendo pela Fé Católica, era o modelo do homem medieval
Para a mentalidade medieval, no entanto, o cavaleiro ocupava o primeiro lugar entre os modelos humanos católicos. Uma vez que o cavaleiro fora removido como o modelo ideal mais alto, alguns dos ossos da estrutura social se tornaram cartilagem.

Removendo o guerreiro desta posição de topo, o Renascimento mudou o padrão de vida medieval. Um novo modelo foi apresentado em que a combatividade católica era rejeitada e substituída pelo desejo de gozar a vida. A combatividade católica exige enormes sacrifícios, às vezes até a imolação da vida no campo de batalha em defesa da Fé católica. Sem esse sacrifício, não há verdadeiro heroísmo.

O humanismo removeu Deus do centro da vida e colocou o homem em seu lugar. A consequência disso foi o fim da luta pela Fé católica, o fim da convicção de que o homem deve oferecer a própria vida em sua defesa. A noção de que o católico deve viver toda a sua vida em uma batalha contínua, sacrificando-se em um holocausto constante, é a única posição correta. Na medida em que nos afastamos das chamas purificadoras desse holocausto, nos tornamos moles; e quanto mais suaves nos tornamos, mais fugimos do holocausto. É um ciclo vicioso.

Essa mudança de modelos ideais para o homem representou um importante passo da Revolução. O espírito revolucionário de gozar a vida, que veio dessa transformação gradual, permeou o Ocidente católico.

O nascimento do comércio internacional e dos bancos

Money-Trade

Um crescimento artificial do comércio trouxe uma dependência do dinheiro
Ao mesmo tempo que essa mudança de mentalidade estava ocorrendo, o comércio internacional, com a correspondente ascensão dos bancos, estava tomando forma. Assim, a economia moderna, que teria tido características diferentes se a mentalidade medieval tivesse sobrevivido, também assumiu um aspecto revolucionário. Ou seja, a economia moderna nasceu favorecendo a Revolução.

Não estou dizendo que a economia é a causa da Revolução. O que estou dizendo é que o sistema econômico nascido na época se tornou um fator importante para promover a Revolução. A principal causa da Revolução foi doutrinária e ideológica. Uma nova economia foi utilizada para auxiliar esses erros doutrinários.

Pode-se dizer que uma economia inorgânica é mais poderosa que a doutrina para gerar a Revolução? Não, a força mais poderosa é sempre a espiritual. Mas quando se analisa o que aconteceu, pode-se notar que a economia foi usada para ajudar a espalhar os ideais revolucionários.

O nascimento da burguesia como um tumor na sociedade

Por exemplo, vamos analisar o nascimento da mentalidade burguesa e o nascimento da burguesia como classe social. A burguesia apareceu na sociedade medieval como uma espécie de tumor, um crescimento doentio alheio ao corpo.

Foi forte o suficiente para demolir a sociedade medieval? Não, eu não penso assim. Acredito que se houvesse homens retos e honestos que formassem a burguesia, juntamente com homens retos e honestos no clero e na nobreza, o problema poderia ter sido resolvido. Teria sido um tumor benigno que não teria tirado a vida da sociedade medieval. A Revolução, no entanto, infiltrou-se na burguesia, e o tumor benigno tornou-se canceroso e começou a matar a ordem social medieval.

A burguesia tornou-se cancerosa porque era constituída de homens que tinham dinheiro e, pela única razão de terem acumulado uma grande quantidade de dinheiro, queriam ocupar um lugar dominante na sociedade. Isso é completamente errado, já que a sociedade deve ser dirigida por seus líderes orgânicos.

A demanda artificial de produtos favoreceu o comércio

Como isso aconteceu? Eu tenho uma tese, embora não tenha tido tempo de encontrar a provas concretas para a demonstrar. A burguesia nasceu de uma hipertrofia do comércio internacional, que florescia porque era alimentado por uma demanda artificial de produtos. Essa demanda artificial foi baseada em vícios morais como a inveja.

Merchants

Comerciantes italianos oferecem roupas e tapetes a um nobre dinamarquês
Uma demanda produzida artificialmente por bens internacionais induziu as pessoas a procurarem coisas de que não precisavam e a abandonarem seus bens regionais e nacionais. Ao fazerem isso, eles quebraram sua economia orgânica, autossuficiente e independente – que é, digamos de passagem, a economia que deve prevalecer em toda sociedade saudável. Acredito que por trás do abandono dessa economia medieval sólida, estava presente um vício moral.

Era natural que um pequeno comércio local se desenvolvesse em aldeias e cidades, como de fato aconteceu antes do fenômeno do comércio internacional. Esse comércio local era suficiente para fornecer os bens necessários à área e para manter suas pequenas lojas e negócios, que normalmente eram ligados às corporações locais – o padeiro, o pescador, o quitandeiro, o açougueiro, o pequeno agricultor etc. As lojas eram dirigidas pelos burgueses, até então pessoas simples como os camponeses e os artesãos.

Com o desenvolvimento de um grande comércio, no entanto, novas oportunidades surgiram e, com elas, a possibilidade de acumular rapidamente uma grande quantidade de dinheiro. Assim, o grande capital apareceu. Esse capital é dinheiro não ligado ao valor real das coisas. Assim, a ênfase da nova economia foi transferida do que era a riqueza real de uma área – a terra com seus produtos – para aquilo que se tornou o símbolo da riqueza, o dinheiro. Com a expansão artificial do comércio, surgiu a possibilidade da criação de fortunas da noite para o dia e o delírio econômico que a acompanhava. Isto alterou a estrutura genuína, sólida e orgânica da sociedade.

Tenho a suspeita de que isso não teria acontecido se houvesse homens mais virtuosos. Uma boa economia é aquela que está mais intimamente ligada à terra. A economia moderna tinha em sua raiz um vício moral, o da inveja. Esta é uma tese que ainda tenho de provar.

A inveja estimula a demanda no comércio internacional

Vamos considerar, por exemplo, os esplêndidos tecidos produzidos em várias cidades do sul da França e do norte da Itália. Por um lado, podemos entender por que pessoas da Suécia, Noruega ou Escócia gostavam de comprar esses tecidos. Como eles eram muito bem feitos, homens de outras áreas naturalmente os queriam adquirir. Portanto, há uma justificativa para a existência de um comércio internacional e para uma grande reserva de dinheiro – capital – para o manter.

Polish Dress

Spanish dresses

Trajes regionais poloneses e espanhóis: cada um com sua beleza proporcional
Por outro lado, se considerarmos a situação cuidadosamente, vemos que o homem equilibrado não corre atrás de tecidos esplêndidos só porque se tornam acessíveis a ele. Ele evita adotar um estilo ou moda que não seja proporcionado à sua cultura menos sofisticada e aos seus meios menores. Em vez de sair correndo para comprar esses tecidos a qualquer custo, ele tenta melhorar os têxteis locais, usando os recursos de sua área. Com base num modelo ideal desse tecido do sul da França, ele vê o que é possível criar que seria proporcionado ao modo de vida de sua região. Ou seja, o tecido francês pode inspirar um progresso saudável e moderado nos têxteis suecos, mas nunca uma busca frenética por ele. Se o homem não mantiver essa posição equilibrada, ele pode facilmente assumir uma atitude que roçará em inveja dos bens de seu vizinho.

Por que uma senhora da Suécia ficaria ansiosa por usar uma seda requintada do sul da França? Não seria muito mais adequado para seu tipo humano um tecido com características, qualidades e beleza locais? Por que todos tem de parecer franceses e imitar a França?

Vemos que nesse desejo de parecermos ser os outros, de imitarmos os outros há algo que participa do cobiçar o bem de nossos vizinhos. É atitude que está enraizada na inveja dos bens do próximo.

É comum aos brasileiros admirarem a cultura francesa; quase todos nós temos essa admiração. Mas isso não nos leva a querer imitar a França a qualquer custo e tentar parecer franceses. Qualquer um que começasse a assumir o ar francês pareceria ridículo. Nós admiramos a França, mas não somos franceses; somos brasileiros. Deus nos fez tais e assim devemos permanecer.

Hoje, há ótimos tecidos de cashmere ingleses para ternos masculinos. É correto usar exclusivamente esses tecidos ingleses selecionados e depois ir ao Jockey Club para assistir às corridas de cavalos para imitar os ingleses? Eu acredito que há uma deformação moral na imitação indiscriminada dos costumes de outros povos. Devemos ter nossos próprios costumes, festas e diversões e ser felizes com o que Deus nos deu. Na minha opinião, é essa deformação moral, na qual todos ficam obcecados em imitar os outros, que leva ao desenvolvimento de um comércio internacional gigantesco e inorgânico.

Postado em 24 de junho de 2019

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Prof. Plinio
Sociedade Orgânica foi um tema caro ao falecido Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Ele abordou este tema em inúmeras ocasiões durante a sua vida - às vezes em palestras para a formação de seus discípulos, às vezes em reuniões com amigos que se reuniram para estudar os aspectos sociais e história da cristandade, às vezes apenas de passagem.

Atila S. Guimarães selecionou trechos dessas palestras e conversas a partir das transcrições das fitas e de suas anotações pessoais. Ele traduziu e adaptou-os em artigos para o site da TIA. Nestes textos, a fidelidade às idéias e palavras originais é mantida o máximo possível.

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